De 10 medidas defendidas por Paulo Guedes, nove dependem do Congresso

O Congresso Nacional terá um papel crucial no andamento das principais propostas econômicas já sugeridas pelo futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL) e tidas como fundamentais para destravar a economia e reequilibrar as contas públicas.

Levantamento realizado pela Folha indica que nove das dez principais propostas sugeridas pela equipe capitaneada pelo superministro da Economia, Paulo Guedes, dependem de aprovação dos parlamentares.

O desafio é ainda maior em pelo menos três dessas medidas —os pilares em que devem se assentar as mudanças prometidas por Guedes.

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Paulo Guedes, futuro ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro – Pedro Ladeira-14.nov.18/Folhapress

Especialistas consultados dizem que, por mexerem em preceitos constitucionais, a reforma da Previdência, a tributária e a desvinculação do Orçamento só podem ser alteradas por emendas à Constituição, que exigem a aprovação de três quintos das duas Casas, em dois turnos de votação.

A intensa dependência do Congresso acende o sinal amarelo. “Não existe a simplicidade que eventualmente se imagina. A maior parte dos assuntos terá de ser endereçada ao Legislativo e, como é sabido, até para aprovar lei ordinária [que exige maioria simples de parlamentares] é difícil”, diz Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.

O entendimento é que as medidas são consideradas urgentes, mas a disposição do novo governo em reconstruir toda a articulação com o Congresso torna incerto o ritmo das futuras negociações.

Proposta O que é Como fazer Nível de complexidade
Desvinculação e desindexação do Orçamento Dar mais liberdade ao Orçamento, que hoje conta com um gasto mínimo obrigatório para saúde e educação, corrigido pela inflação PEC, que exige voto de 3/5 dos parlamentares em dois turnos Alto
Reforma da Previdência Proposta própria prevê regime de capitalização (contas individuais) para novos entrantes PEC, que exige voto de 3/5 dos parlamentares em dois turnos Alto
Reforma Tributária Substituição da contribuição patronal sobre a folha pela contribuição incidente sobre movimentação financeira Especialistas divergem, mas maioria diz que é preciso uma PEC, que exige o voto de 3/5 dos parlamentares em dois turnos Alto
Leilão do pré-sal Permite que outras empresas possam operar em blocos hoje controlados pela Petrobras no pré-sal Projeto de lei a ser votado no Senado viabiliza o leilão Médio
Privatizações Governo fala em privatizar ou liquidar empresas como EPL (do trem-bala) e Valec (que cuida de ferrovias) Algumas estatais, como a EPL, só podem ter seu controle vendido mediante aprovação em lei Médio
Venda de subsidiárias Vender, por exemplo, áreas de bancos públicos não diretamente relacionadas à atividade bancária, como seguros e cartões Alguns especialistas dizem que precisa de aprovação em lei, como a venda de estatais Médio
Venda de imóveis Vender imóveis da União para arrecadar recursos para reduzir a dívida pública Feito por meio de licitação, também precisa de aprovação do Congresso Médio
13º para Bolsa Família Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu 13º salário para o Bolsa Família Projeto de lei ou medida provisória Médio
Carteira verde e amarela A nova carteira, que existirá juntamente com a atual, vai assegurar apenas direitos constitucionais, como férias remuneradas, 13º salário e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) Projeto de lei ou medida provisória para alterar a CLT Médio
Redução tarifas da indústria e abertura comercial gradual Abertura comercial cautelosa e feita de forma negociada, sob uma agenda de aumento de competitividade; evita redução de tarifas de comércio sem contrapartidas Decreto do governo Baixo

Nível de complexidade alto:
 depende de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição)

Nível de complexidade médio: depende de projeto de lei (maioria simples no Congresso) ou de medida provisória (editada pelo governo, precisa ser aprovada pelo Congresso)

Nível de complexidade baixo: não precisa passar pelo Congresso

Bolsonaro já disse que sua intenção é dialogar com bancadas temáticas (como a religiosa ou a da saúde), e não diretamente com partidos —desafio considerado ainda maior.

O detalhamento das propostas não é conhecido em profundidade, e idas e vindas marcam a equipe econômica e do futuro presidente.

Algumas medidas já sob o escrutínio do Congresso mostram, porém, que confrontos ou mal-entendidos entre equipe econômica e parlamentares podem não ser incomuns.

Um exemplo nesse sentido são os ajustes para que o leilão do pré-sal saia do papel.

O futuro governo conta com receitas que podem chegar a R$ 100 bilhões no ano que vem. Esse dinheiro é visto como fundamental para reduzir o déficit primário de 2019, de R$ 139 bilhões.

Era esperado que o acordo com o Senado fosse fechado na semana passada. A contrapartida era que parte dos recursos fosse destinada para estados e municípios por meio de uma medida provisória, o que não ocorreu, impondo dificuldades ao próximo governo, já que o leilão pode ficar para 2020.

Tida como peça-chave para a redução da dívida pública, a venda de estatais também tem de passar pelo Congresso, afirma a advogada Renata Emery, sócia do Brigagão, Duque Estrada, Emery.

Embora Bolsonaro já tenha dito que não vai privatizar as “joias da coroa” (Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, por exemplo), não descarta vender empresas menores, como a EPL (empresa do trem-bala).

Nesse grupo estão subsidiárias, como refinarias da Petrobras ou as áreas de seguros ou cartões de bancos públicos. Por “semelhança jurídica”, isso também exigiria aprovação do Congresso, diz Emery.

No campo social, Bolsonaro prometeu uma 13ª parcela para o Bolsa Família e a criação da carteira verde e amarela.

Segundo Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio da área trabalhista do Bichara, o Bolsa Família pode ser regulado por meio de MP ou lei ordinária, já que esses foram os meios usados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva para implementá-lo.

A nova carteira também pode ser criada via lei ordinária, se a ideia não for criar um novo tipo de trabalhador.

As reformas mais importantes, porém, vão exigir maior sintonia com o Congresso.

Tanto a reforma da Previdência, que prevê o sistema de contas individuais (capitalização) para os novos entrantes e uma nova idade mínima de aposentadoria, quanto as mudanças no Orçamento (que incluem a flexibilização dos gastos obrigatórios, como aqueles com saúde e educação, e a desindexação desses gastos da inflação) exigem emendas à Constituição.

O instrumento demanda 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos. Por isso, é aquele que corre mais risco de se perder nos escaninhos do Congresso Nacional.

Quanto à reforma tributária, Maucir Fregonesi Júnior, sócio do Siqueira Castro, e Caio Taniguchi, especialista em Previdência do Bichara, dizem que ela requer emenda porque é a Constituição que estabelece a contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamentos.

Em outra medida prevista, a isenção de IR (Imposto de Renda) para quem ganha até cinco salários mínimos, bastaria lei ordinária.

A única proposta que não precisa do Congresso diz respeito à abertura comercial. Fregonesi diz que alterações de impostos que incidem sobre comércio exterior podem ser feitas por decreto.

Por: Flavia Lima
Fonte: Folha de São Paulo

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