A Receita Federal instituiu esta semana uma nova regra impondo as corretoras de criptomoedas a obrigação de prestar informações sobre todas as operações que envolvam a negociação dos ativos digitais. A medida terá forte impacto no setor e vem causando controvérsia entre os atores do mercado.
A Instrução Normativa foi publicada na terça-feira (07), já com a indicação de que as primeiras informações deverão ser prestadas em agosto. São as exchanges que terão de coletar todas as informações referentes a qualquer transação com Bitcoins e outra moedas criptografadas e passar ao governo.
Para Fernando Furlan, presidente da Associação Brasileira de Criptoativos e Blockchain (ABCB), essa Instrução Normativa traz o risco de sufocar a inovação e até prejudicar os pequenos negócios, pelo fato de ela submeter “as corretoras de criptomoedas (exchanges) regras mais rígidas que aquelas impostas a instituições financeiras tradicionais”.
“É compreensível a preocupação do governo em buscar algum tipo de regulamentação para o setor. Contudo, devemos estar atentos para não sufocar a inovação e prejudicar os pequenos negócios. É preciso buscar um equilíbrio”.
Receita Federal e a nova realidade
Muitas dessas empresas terão de se adequar à nova realidade. Carlos Lain, Ceo da PagCripto, diz que há o risco dessa nova regra trazer um atraso tecnológico até que todas as empresas desse setor consigam se adequar às mudanças.
“Vai impactar principalmente no tempo que nossa equipe de desenvolvimento vai acabar perdendo para desenvolver essa integração e mais rigidez quanto a regras de compliance”.
Segundo o presidente da ABCB, haverá um aumento de burocracia, que deve pesar mais ainda esse setor que é composto por pequenos e médios empreendedores.
Burocracia desnecessária
O fato é que deverá ser muito trabalhoso para essas empresas coletar informações de cada operação, que em maio teve uma média de 12 mil por dia, conforme o índice do Portal do Bitcoin.
Lain critica a atuação da Receita Federal por entender que ela traz uma burocratização desnecessária.
“Vejo muito mais como tempo perdido e burocracia desnecessária, porque eles não vão ficar em cima dos clientes que compram pouco, eles querem pegar os grandes. Vamos acabar entupindo a Receita de dados inúteis”.
Rodrigo França, Compliance Officer da Ripio Brasil, afirma que algumas determinações desta Instrução Normativa não são factíveis. Para ele, há um certo desconhecimento técnico por parte da Receita Federal e da equipe que redigiu esse documento.
De acordo com França, todo o mercado esperava por essa norma, pois havia uma sinalização antiga do órgão sobre a obrigatoriedade. Ele, no entanto, diz que algo ainda novo e que não possui “uma base concreta dos procedimentos e das alterações necessárias”.
Outro ponto de vista
Saint Clair Izidoro, Ceo da 3xBit, já está a par de todas as regras e afirma que não será algo que deve mudar tanto a rotina de sua empresa que tem mantido todas as informações das operações feitas pela companhia registradas e que apenas aguarda a formatação que será exigida pela Receita.
Para Saint Clair, a norma tem seu lado bom: mostrar a regularidade do setor ao mercado inteiro.
“Aqueles que querem atuar neste mercado de forma regular, creio que nada melhor do que o manto governamental para dar sustentabilidade nas operações.”
Gustavo Chamatti, sócio-fundador do Mercado Bitcoin, concorda.
Com essa instrução normativa, o mercado de criptomoedas será visto de forma mais profissional para as empresas desse setor e ao mesmo tempo trará maior segurança a quem tinha receio em investir em Bitcoins e outros ativos digitais.
“Não pegou o Mercado Bitcoin de surpresa. Qualquer mercado para se tornar relevante precisa atender a alguma legislação. Essa norma era inevitável”.
Preparados e preocupados
Apesar disso, Chamatti não esconde preocupação de vir uma norma no futuro que inviabilize o mercado:
“Qualquer legislação a ser criada não pode ser inviabilizadora do mercado. A prestação de informações que está na instrução normativa é trabalhosa de ser feita, mas não é impossível de ser atendida. É só formatar informações que a empresa já têm”.
Sobre esse ponto, Lain revela que a PagCripto já tem “um software próprio que exporta essas informações em tabelas separadas para a contabilidade”. Para ele, “o que vai mudar é que esses dados vão ter que ser gerados num layout específico para importação dos dados pelo portal e-CAC”.
Esse leiaute que Lain se refere é aquele que ainda será publicado ainda daqui a 60 dias, conforme informado no artigo 2º da Instrução Normativa.
Chamatti explica que as empresas precisam trabalhar para que não surja uma legislação que inviabilize o mercado e que “não seja rígida demais não permitindo que a tecnologia de desenvolva como ele pode com o potencial que ela tem”.
Visão otimista
O sócio do Mercado Bitcoin, em contrapartida, acredita que a norma da Receita Federal, mesmo não sendo perfeita, demonstra que o mercado de criptomoedas é relevante e continua crescendo:
“Agora é o nosso papel de entender onde estão as dificuldades”. O desafio será de entender qual será a formatação que a Receita quer dessas informações.
“A gente vai precisar colocar algumas pessoas de nossa equipe de tecnologia para formatar a informação que a gente já detém no modelo que a Receita quer receber, não é nada além disso”.
Esse será o mesmo desafio a ser enfrentado pela PagCripto. A questão jurídica não tem sido uma preocupação dessas duas corretoras de criptomoedas.
Chamatti aponta que tem sido bem assessorado por sua equipe jurídica interna e conta com apoio de alguns profissionais de grandes escritórios de São Paulo, mas não citou nome de nenhum deles.
Lain destaca que a sua empresa já vem acompanhando essa decisão da Receita.
“Nosso escritório de contabilidade já conta com isso, o que acaba sendo uma boa vantagem já que eles nos alertam previamente a fazer os controles necessários, até por isso já temos um certo controle de tudo o que foi solicitado a ser reportado”.
Possível exceção
Emília Malgueiro, advogada da empresa de arbitragemAtlas Quantum, explica que a partir do dia 1º de agosto desse ano, “as empresas que realizam intermediação, negociação ou custódia de criptoativos, com domicílio fiscal no Brasil, terão de prestar mensalmente informações à Receita Federal”.
Malgueiro, porém, argumenta que a empresa titular da plataforma Atlas Quantum não tem domicílio fiscal no Brasil e dessa forma está isenta dessa obrigação.
Isso não quer dizer, no entanto, que as operações feitas fora do país ou com pessoas que não sejam essas empresas de criptomoedas atuantes no Brasil não serão de conhecimento da Receita.
A advogada explica que caso a pessoa opere mais de R$ 30 mil em criptomoedas no mês, ela terá sim de declarar isso ao governo. De acordo com Malgueiro, essas informações poderão ser prestadas pela própria pessoa ou por um procurador, que pode ser um contador.
Associações em debate
De acordo com Furlan, a Instrução Normativa 1.888/2019 é um contrassenso ao que tem sido sinalizado pelo governo, que “na semana passada assinou uma medida provisória que visa justamente desburocratizar a vida das startups, a chamada ‘MP da Liberdade Econômica’”.
De acordo com Furlan, a ABCB que vai ouvir seus associados e outros players do mercado de forma a definir a melhor estratégia diante desse novo cenário.
Kelsen Andrade, membro da diretoria da ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia), diz que ainda não há um posicionamento oficial sobre essa nova regra.
“Vamos concluir nossas análises e nos reuniremos em breve para discutir a respeito dela”.
Andrade, no entanto, fala que grande parte dos dispositivos trazidos nessa Instrução Normativa continuam iguais aqueles que foram discutidos anteriormente na minuta desse documento.