“Bancos querem atrasar criptomoedas”, diz ex-conselheiro do Cade

“É interessante para os bancos dificultar a vida de concorrentes”. Assim o economista e ex-conselheiro do Cade que chegou a ser presidente interino do órgão, Paulo Furquim de Azevedo, define o cenário atual dos bancos que vem encerrando contas de corretoras de criptomoedas e vida de fintechs como Guiabolso e Nubank.

Em conversa com o Portal do Bitcoin, o coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper fala sobre condutas anticoncorrenciais dos bancos e explica que pelo fato de esse mercado estar em “crescimento acelerado, já começa a ter algumas atividades dos bancos sendo substituídas pelas corretoras”.

Azevedo, que conselheiro do Cade entre 2008 e 2010, apresentou
em abril um parecer técnico pelo qual tece críticas sobre a atuação dos bancos em encerrar as contas das corretoras de criptomoedas. O documento de 44 páginas foi juntado no inquérito administrativo do Cade pela Associação Brasileira de Criptoativos e Blockchain (ABCB).

Azevedo afirma que o Cade tem uma grande responsabilidade nas mãos e que essa pode ser a oportunidade “de impor mais concorrência nesse mercado”. O órgão terá até o dia 18 desse mês para decidir se irá promover um processo administrativo contra os bancos pelo encerramento de contas das corretoras de criptomoedas. Leia abaixo os principais trechos da conversa:

Portal do Bitcoin – Como o senhor tem visto o fato de os bancos encerrarem as contas-correntes que são essenciais para as exchanges ?
Paulo Furquim – Essa ação dos bancos acaba impondo custos as corretoras, muitas vezes inviabilizando suas atividades.

Como essa atitude dos bancos de cancelar contas pode prejudicar os clientes dessas corretoras?
Os bancos fazem uma defesa de que não seria necessário ter uma conta em sua instituição porque tem inúmeras instituições financeiras que atuam como bancos comerciais. São realmente dezenas, embora muito pequeninhos e que não são os bancos principais. São poucas pessoas que possuem contas nesses pequenos bancos. Isso tornaria muito cara a atividade da corretora porque para ela fazer uma transação com uma pessoa que não tenha conta nessas pequenas instituições seria necessário se fazer um TED, um DOC e iria incorrer em custos de transferências que tornam não só a vida do cliente mais complicada como também impõe um custo e isso torna a atividade da corretora menos rentável.

A defesa dos bancos apresentada ao Cade fala muito em lavagem de dinheiro e ausência de segurança das corretoras. 
A justificativa é válida?
A questão que está em jogo não é o fato de os bancos estarem ou não prejudicando as corretoras. Eles estão. Os bancos devem admitir a certo ponto que fechar as contas correntes das corretoras impede o seu desenvolvimento. O que está na defesa dos bancos é essa questão da lavagem de dinheiro e que as corretoras estariam sendo eventualmente utilizadas para esse crime. Mas os bancos estão fechando essas contas por outro motivo. O que eu procurei mostrar é que todas as evidências que estão disponíveis até esse momento não indicam que essa é a motivação. Se isso fosse a real justificativa, eles teriam feito de modo claro, uniforme e não discriminatório. Mas eles fizeram justamente com aquelas corretoras que estão crescendo mais e que podem impor uma ameaça maior. Também é esquisito os bancos entrarem com suas próprias corretoras. Um outro ponto interessante é que nas cartas de desligamento que enviaram as corretoras as alegações são de outra natureza como o de desinteresse comercial e não uma questão regulatória.

Nem deram oportunidade as corretoras para apresentarem seus mecanismos de segurança, os quais possuem melhor ferramentas do que alguns bancos pois usam a Blockchain.

A ausência de CNAE própria é usado como argumento…
Essa fundamentação dos bancos de ausência de CNAE específica me parece muito mais uma desculpa do que um fundamento. Ainda assim é melhor pecar pelo excesso do que deixar esses espaços em aberto. Com uma CNAE própria se terá menos uma argumentação pouco fundada para justificar encerramento de contas.

Houve algo parecido quando o senhor foi presidente interino do Cade?
Sim, infelizmente não é incomum elas criarem estratégias para evitar concorrência, o que é um ilícito. Existe uma lei de concorrência para impedir que empresas com muito poder econômico evitem a concorrência. O Cade aplicou uma multa histórica uma vez contra a Ambev porque ela impediu acesso de concorrentes como a Itaipava aos pontos de venda. O Shopping Iguatemi também fez algo semelhante. Para impedir o acesso de outros shoppings as lojas de grife que eram elementos de diferenciação, o Iguatemi estabeleceu contrato de exclusividade.

Nestes casos, temos impedimentos de concorrentes no mesmo mercado. O senhor vê uma clara concorrência entre bancos e exchanges?
Hoje em dia, eles são atividades complementares. Por isso que as corretoras necessitam dos bancos para fazer suas operações. Como esse mercado é muito dinâmico e tem um crescimento acelerado, já começa a ter algumas atividades dos bancos sendo substituídas pelas corretoras. Por exemplo, as carteiras de investimentos em ativos como aqueles em papéis, ouro e dólar têm dado espaço a criptomoedas que também é um ativo. Um cliente de um banco que poderia aplicar o seu dinheiro num fundo de investimento do banco ou em ações por intermédio da instituição bancária, ao invés de fazer isso, pode ir a uma corretora de criptoativo.

Só nesse momento, já tem uma pequena concorrência. O mais interessante é o crescimento das criptomoedas e o crescimento das fintechs de um modo geral.

Esse crescimento tem o potencial de transformar o Sistema Financeiro por completo. Essas novas modalidades de troca e de transações financeiras podem revolucionar esse sistema, o que não é interessante para quem está obtendo muito lucro no Sistema convencional. Por isso, essas instituições que estão lucrando vão querer, no mínimo, retardar esse processo de desenvolvimento das atividades criptomoedas. E, principalmente, vão querer se posicionar estrategicamente para o momento em que eles tenham uma participação maior.

Esse posicionamento parece que começou, não? O Itaú é o maior acionista da XP Investimentos, que criou a exchange XDEX.
Exatamente. Os bancos já entraram nesse mercado e alguns já declararam que pretendem entrar como é o caso do Santander. Isso mostra a importância desse segmento que pode até ameaçar a posição presente deles. A segurança dessas instituições depende de elas estarem bem posicionadas nesse setor. É interessante para os bancos dificultar a vida de concorrentes das suas futuras corretoras.

Os cinco maiores bancos do país, em 2017, tinham 94,4% da participação de mercado de depósitos à vista. Como a decisão do Cade pode evitar que essa concentração ocorra no mercado de criptomoedas?
O Cade tem uma posição de muita responsabilidade porque a concorrência nas transações financeiras está sob ameaça de estratégia dos bancos. Essas grandes instituições estão usando uma conduta que podem tornar a vida de fintechs mais difícil e isso não se limita ao mercado de criptomoedas. O órgão, se tiver o entendimento parecido com o meu, aplicaria uma sanção ao ponto de impedir os bancos de atuar contra a concorrência e com isso as corretoras de criptomoedas teria uma trajetória desimpedida para promover seus serviços.

No final das contas, quem sai ganhando nem são as corretoras de criptomoedas, mas os consumidores que teriam acesso a mais escolhas. Com o passar do tempo, esperamos que essas fintechs cresçam e elas possam com isso permitir que o Brasil tenha um sistema financeiro mais concorrencial com tarifas e spreads bancários mais baixos.

Se por acaso, o órgão tiver um entendimento diverso e não preferir não punir os bancos por essa estratégia, vamos perder uma grande oportunidade de impor mais concorrência nesse mercado.

Por: Aexandre Antunes
Fonte: Portal do Bitcoin

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