O mundo vai levar anos para se recuperar do impacto da pandemia do novo coronavírus, avaliou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, ou clube dos países ricos).
Angel Gurría, secretário-geral da entidade, afirmou em entrevista à BBC que o choque econômico já é maior do que a crise financeira de 2008 ou a de 2001, após os ataques de 11 de Setembro daquele ano. Um crescimento global previsto para este ano de 1,5%, disse, já soa otimista demais.
Para ele, é quase uma confusão de desejo com realidade acreditar que os países vão se recuperar rapidamente, mesmo que não se saiba estimar direito qual será o tamanho do desemprego e das falências empresariais.
Gurría prevê que quase todas as grandes economias do mundo entrarão, nos próximos meses, em recessão, ou seja, sofrerão declínio econômico por ao menos dois trimestres consecutivos.
A entidade tem pregado aos países-membros que, como estratégia contra a pandemia, priorizem e ampliem maciçamente os gastos em diagnóstico e tratamento de pessoas infectadas.
Choque imenso
Gurría afirmou que a incerteza instalada pela pandemia é a maior em décadas. “A razão é que não sabemos o quanto demandará a recuperação dos empregos porque não sabemos quantas ficarão desempregadas ao fim disso tudo. Também não sabemos o que precisaremos para resgatar as milhares de pequenas e médias empresas que já estão sofrendo.”
Governos ao redor do mundo têm tomado medidas sem precedentes para apoiar trabalhadores e empresários durante a pandemia, que mais infectou mais de 300 mil pessoas.
O Reino Unido, por exemplo, anunciou que pagará parte dos salários dos trabalhadores impossibilitados de atuar em razão da doença.
Gurría defendeu que os governos ignorem os preceitos dominantes sobre endividamento público e utilizem “tudo o que for possível” para lidar com a crise.
Ele alertou, por outro lado, que esses déficits públicos e montanhas de endividados pesarão muito para os países nos próximos anos.
Sem recuperação rápida
Segundo Gurría, autoridades do G20 (outro clube de países ricos) acreditavam semanas atrás que a recuperação econômica seria como a letra “V”, ou seja, queda brusca da atividade econômica seguida de recuperação acentuada.
“Ali isso já era uma confusão de desejo e realidade”, afirmou.
“Eu discordo da ideia de um fenômeno em ‘V’. No melhor dos cenários, será como um ‘U’, com uma longa linha na base até atingirmos um período de recuperação. Nós podemos evitar que ele se pareça com um ‘L’, se tomarmos hoje as decisões certas.”
A OCDE, entidade a qual o Brasil tenta ingressar com apoio dos Estados Unidos, defende que o mundo adote um plano com quatro pilares para enfrentar a pandemia atual. Ele inclui exames gratuitos para diagnosticar a doença, melhores equipamentos para profissionais de saúde, transferências de recursos para trabalhadores, incluindo os autônomos, e adiamento da tributação para empresas.
Gurría compara o nível de ambição ao Plano Marshall, que ajudou a bancar a reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Impacto econômico no Brasil
Desde janeiro, as análises sobre o impacto do surto na economia do Brasil apontam um cenário cada vez mais negativo. Mas isso tem mudado com rapidez.
Inicialmente, em fevereiro, o governo Jair Bolsonaro falava em impacto de menos de 1 ponto percentual no crescimento previsto em torno de 2% do PIB. Na sexta-feira (20), o governo cortou sua projeção oficial de 2,1% para 0,02%.
Analistas e pesquisadores apontam que o Brasil pode enfrentar um recuo da economia, em patamar que lembra a crise financeira de 2008 e a greve dos caminhoneiros em 2018.
Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas, o PIB brasileiro pode recuar 4,4% em 2020. Para o banco Itaú, se a economia brasileira sofrer uma paralisação tal qual ocorreu na China durante as quarentenas impostas, o PIB pode cair 0,7% neste ano.
As expectativas econômicas têm desabado ao redor do mundo.
No início deste mês, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) previu que a pandemia poderia custar à economia global até US$ 2 trilhões neste ano (cerca de R$ 10 trilhões).
Países que dependem da venda de matérias-primas, como o Brasil, estão em uma situação delicada, alertou a UNCTAD.