Um dos maiores especialistas no Brasil em spread bancário, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, diz que já é possível ver pressão competitiva por “todos os lados” entre os bancos que vai levar à oferta de crédito mais barato para empresas e pessoas físicas.
O spread (a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa de juros cobrada dos clientes) é alvo da agenda do BC de medidas para aumentar a competição entre os bancos e reduzir as taxas de juros que os brasileiros pagam e que permanecem elevadas mesmo no cenário de queda da taxa Selic (a taxa básica de juros, que baliza as outras operações) para o patamar mais baixo da história.
Na primeira entrevista desde que assumiu o cargo, Mello diz que a agenda ganhou foco redobrado na gestão do presidente do BC, Roberto Campos Neto. O momento é de retomada do crescimento da economia, do crédito e de serviços que estão chegando com o avanço da tecnologia: fintechs (startups que oferecem inovações de serviços financeiros), open banking (troca de informações dos dados bancários entre as instituições) e o novo pagamento instantâneo (apelidado de “zap de pagamentos”, que vai permitir transferências de forma mais rápida).
“Estamos enxergando e vamos enxergar cada vez mais os seus efeitos sobre as taxas de juros no tomador na ponta e no spread”, diz. Mello compara o sistema financeiro a um grande encanamento que precisa ser desentupido com a ação regulatória do BC, mas rebate a crítica de que os cinco maiores bancos concentram a maior parte do mercado.
“Tentar encontrar um vilão, um culpado, muitas vezes é uma maneira simplista de resolver problemas complicados. Temos, sim, que atacar as causas do problema”, diz. O diretor deixa claro que o BC ainda não está confortável com os juros cobrados no cartão de crédito depois das mudanças regulatórias feitas recentemente. Veja a seguir a entrevista.
A guerra pelo cliente bancário está mais intensa por qual razão?
Quando se vai resolvendo alguns problemas, outros vão ficando mais evidentes mesmo que eles já existissem antes. Como estamos com a taxa de juros em níveis históricos, inflação baixa e sistema financeiro sólido, isso traz à tona o objetivo de eficiência. Há uma demanda legítima da sociedade por um sistema eficiente e nossa missão é tentar entregar. Estamos fazendo isso para aumentar a concorrência de modo que a população tenha acesso a melhores produtos a um preço melhor. É um conjunto. Vamos atacá-los todos. Não tem um grande vilão.
Mas população vê os bancos como o maior vilão.
Os bancos prestam um serviço num ambiente historicamente de alto risco, que condicionou um tipo de estrutura no setor bancário. Os bancos não são vilões. Tentar encontrar um vilão, um culpado, muitas vezes é uma maneira simplista de resolver problemas complicados. Temos, sim, que atacar as causas do problema, a inadimplência, fomentar a entrada de novos participantes, dar chance para todo mundo competir. A formula é meio conhecida: competição e segurança. Estamos empurrando essa fórmula já de alguns anos e agora certamente é uma agenda central aqui da administração atual.
Há resistências?
Pode haver resistências? Sempre pode. Nosso papel é fazer com que a tecnologia atinja seu potencial máximo de entregar produtos melhores. Temos o diagnóstico de que, em alguns produtos, a precificação é aquém do que achamos desejável. Temos problemas de desenho dos produtos. Credores terão mais informações sobre os devedores para diminuir o risco de fazer crédito e equalizar a informação entre os novos entrantes, bancos grandes, médios, para fomentar a competição.
Como fomentar essa competição?
O BC tem feito trabalho sistemático com excelentes resultados dos meios de pagamento. Tem um canal de meio de pagamentos onde já houve entrada enorme (de novos participantes) que vai se materializar em pressão competitiva nos bancos. Imagina um microempreendedor, por exemplo, muitas vezes desbancarizado. O primeiro contato de vários deles com o sistema financeiro foi por meio das maquininhas. As transações começam a aparecer e o dono da maquininha começa a aprender sobre o microempreendedor e o próximo passo é dar crédito. Isso vai possibilitar que num segundo momento ele comece a conceder crédito para capital de giro, dando como garantia o que ele tem a receber de cartão. Nesse canal de meio de pagamentos já houve entrada enorme que vai se materializar em pressão competitiva nos bancos.
Os grandes bancos têm ficado incomodados. Essa pressão funciona?
Quem perde cliente tem que reagir melhorando seu produto ou baixando o preço. É fato que os bancos já estão sentindo isso e começando a fazer isso. Esperamos que isso ocorra cada vez mais. Acreditamos que a entrada das fintechs, que hoje representam uma fração pequena, cada vez mais amplie a gama de produtos disponíveis a preços bons, de modo que todo mundo sinta a pressão competitiva.
Essa pressão competitiva já é uma realidade no Brasil?
A entrada de novos atores já é uma realidade. Nas fintechs de crédito, criamos duas caixinhas regulatórias para trazer elas de modo seguro com supervisão do BC, que são as sociedades de crédito direto e as sociedades de empréstimos pessoais. Já concedemos dez licenças de sociedade de crédito direto e quatro licenças de sociedade de empréstimo entre pessoas. Isso é totalmente sem precedente. Tem muito apetite.
Quando a competição se materializa em produtos com juros menores para o consumidor?
Vai acontecer ao longo do tempo. É difícil dar um prazo. Mas já estamos vendo pressão competitiva de todos os lados. Não é à toa que alguns (bancos) tradicionais estão sentindo incômodo. Isso é salutar para todo mundo. Vai aumentar o tamanho do bolo, vai dar mais negócio para todo mundo. Sou muito otimista.