Defensor incisivo da volta de um imposto nos moldes da CPMF (Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira) no País, o economista Marcos Cintra foi exonerado do cargo de secretário da Receita Federal, na tarde desta quarta-feira (11).
Cintra era um dos principais condutores do debate da reforma tributária na equipe econômica, em um momento em que o parlamento já discute mudanças no atual sistema de impostos e o governo ainda não enviou sua proposta. Mas já vinha acumulando atritos com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) desde o governo de transição.
Além da reiterada defesa à CPMF, o secretário chegou a defender o fim das isenções de imposto para as igrejas – o que vai de encontro com um dos grupos mais fortes da coalizão bolsonarista, a bancada religiosa – e trocou farpas com congressistas em alguns momentos de maior tensão entre os Poderes Executivo e Legislativo.
De licença médica, Bolsonaro afirmou, que o secretário caiu por conta da proposta da “nova CPMF”. O presidente era crítico à volta do imposto sobre transações financeiras, mas também já chegou a indicar disposição em discutir o assunto com o ministro Paulo Guedes (Economia).
Eis a postagem do presidente:
A demissão de Cintra e a fala de Bolsonaro reduziram as chances de avanço dos planos da tributação sobre transações financeiras, pauta que já sofria forte resistência entre os parlamentares e junto à sociedade, mas contava com a simpatia de Guedes.
Na última segunda-feira (9), o próprio ministro afirmou que a proposta da reforma tributária contemplaria a criação do Imposto sobre Transações Financeiras, sendo ela um instrumento para permitir a desoneração da folha de pagamentos, objetivo último da equipe econômica. Antes, Guedes já havia dito que “pequenininho, [o tributo] não machuca” e recebido como resposta do presidente um gesto de disposição em discutir o assunto.
Ontem, houve a divulgação de estudos antecipados da reforma tributária, incluindo a cobrança da nova CPMF, agora batizada de CP (Contribuição sobre Pagamentos). O secretário-adjunto da Receita Federal, Marcelo de Sousa Silva, confirmou que o governo enviaria a proposta que reintroduz o imposto sobre transações financeiras, com saques e depósitos em dinheiro sendo taxados com uma alíquota inicial de 0,4%.
As reações à notícia teriam sido o estopim para a saída de Marcos Cintra. Mas, no mundo político, ainda há dúvidas sobre as reais motivações do movimento, já que a simpatia do economista escolhido para comandar a Receita Federal por uma tributação sobre transações financeiras é conhecida há décadas.
Também há questionamentos sobre se, de fato, o governo teria abandonado de vez a CPMF, ainda que esta tenha sido a alternativa até então escolhida por Guedes para se agradar o setor de serviços com menos custos sobre a folha, em compensação aos efeitos da simplificação tributária em discussão.
Horas depois da confirmação da notícia, o presidente interino, Hamilton Mourão, afirmou que a ordem para demitir Cintra veio de Bolsonaro, que teria se incomodado com o fato de a discussão sobre a recriação do imposto ter se tornado pública antes de uma decisão presidencial.
Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, há uma certa estranheza em relação à notícia, uma vez que, no campo da reforma tributária, os sinais recentes eram de que o governo iria caminhar para a defesa da criação de um imposto sobre fluxos.
Ele avalia que é possível que a CPMF não tenha “morrido” na discussão sobre a reforma tributária. “Recentemente, os sinais [favoráveis à CPMF] se mostraram mais intensos”, lembra o especialista.
No mesmo sentido, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), coordenador da bancada do partido do presidente nas comissões da Câmara e um dos defensores do imposto, acredita que a tributação sobre transações financeiras permanece de pé e que a comunicação do governo será fundamental para o avanço do tema.
Para ele, a pauta da reforma tributária encontra-se emperrada no parlamento, em função da multiplicidade de projetos sobre o assunto e, principalmente, pela ausência de uma proposta sobre o tema de autoria do governo até o momento. Vale lembrar que, mesmo que o Planalto desista desta forma de tributação, há outros grupos que podem tentar manter vivo o debate. É o caso do Movimento Brasil 200, encabeçado pelo empresário Flávio Rocha, do grupo Guararapes, que defende uma alternativa mais radical nesse sentido do que o próprio governo, com o imposto sobre fluxos substituindo uma cartela de tributos federais, estaduais e municipais.
Já os analistas da XP Política veem motivos além da CPMF para a queda do secretário, mas acreditam que as chances de o antigo imposto voltar diminuíram ainda mais. “A proposta carece de apoio interno no governo (Bolsonaro já se opôs publicamente mais de uma vez) e fora: no Congresso, é muito raro encontrar quem seja entusiasta ou vote a favor da criação de impostos, ainda mais este que tem ‘nome e sobrenome'”, apontam.
“A queda de Cintra tem a ver com isso, mas não só. Não se pode afirmar totalmente que as acusações de perseguição de parte de funcionários da RFB contra membros da família Bolsonaro não tenha tido seu grau de influência”, complementam.
O analista João Villaverde, da Medley Global Advisors, por sua vez, entende que a saída de Cintra dá um inevitável sinal enfraquecimento da tese do imposto sobre transações financeiras. Por outro lado, a recente defesa da iniciativa pelo próprio Guedes ainda manteria a CPMF viva, mas com ajuda de aparelhos, a despeito da forte resistência sofrida.
Como substituir?
Nos bastidores, porém, membros da equipe econômica estudam outras formas de se garantir a desoneração na folha sem a necessidade de recorrerem à rechaçada CPMF. Uma das ideias em discussão seria iniciar a desoneração de forma mais gradual e contar com recursos do Sistema S.
Outra é calibrar de outra forma o chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), em análise na Câmara dos Deputados, que prevê a unificação de cinco impostos: IPI, PIS e Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). Segundo apuração da Agência Estado, tal alternativa implicaria em uma elevação de 5 a 6 pontos percentuais no imposto agregado criado, o que poderia fazer a alíquota superar até mesmo padrões europeus.
Nos dois casos, a ideia é a aplicação gradual da desoneração, em uma tentativa de já se gerar resultados no mercado de trabalho e defender a extensão da medida completa e aprovar uma forma de financiá-la.
Na nota em que confirmou a demissão de Cintra, a Economia reafirmou o compromisso com a desoneração da folha das empresas. “A equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções, simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento”, diz o comunicado.
Fonte: Infomoney